São Paulo é uma cidade envolta em adjetivos grandiosos. Tudo na metrópole é superlativo. Números são extremos. Medidas são imensas. Estatísticas são as maiores. O outro lado desse gigantismo é sentir que São Paulo cresceu de forma desordenada em muitos pontos e aspectos. Sem controle e, principalmente, sem planejamento.
Contudo, existe uma área que destoou do fenômeno do desenvolvimento desenfreado: o bairro do JARDINS. Com mais de um século de história, a região nasceu planejada para o bem estar e a alta qualidade de vida sem nunca se desviar desta vocação. A constatação não tem a intenção de colocar o JARDINS como algo totalmente alheio à expansão evolutiva de São Paulo. Pelo contrário: a vida intensa, diversificada e completa da capital paulista tem no JARDINS a energia pulsante da qual a metrópole se alimentou para fazer valer seus espírito cosmopolita e vanguardista. Porém, o bairro foi pensado desde os primórdios para ser erguido com zêlo pelo urbanismo de alto nível.
A HISTÓRIA DO JARDINS ENTRE SÉCULOS.
São Paulo faz a transição do Século XIX para o Século XX dentro de um intenso processo de urbanização. As chácaras que ocupavam a periferia da cidade eram cortadas por importantes estradas de ferro e, em pouco tempo, essas áreas começam a ser ocupadas por indústrias. Logo depois, novo fenômeno diretamente ligado ao anterior: nascem os bairros operários. Estes acabam por se concentrar principalmente nas regiões Sul e Leste da cidade.
A elite paulistana – caracterizada predominantemente por ricos fazendeiros – é a classe social que acessa privilégios. Um deles é a oportunidade de estudar no Exterior e retornarem imbuídos de ideias para melhorias urbanas profundas e vitais em São Paulo. Os modelos europeus de metrópoles são a principal fonte de inspiração e seus projetos vinham com forte potencial de transformar a capital paulista em um centro igualável a outras capitais estrangeiras. Especialistas chamam essa fase de “europeização da mentalidade paulista”.
Um fato ilustra muito bem esse movimento na história do JARDINS: em âmbito nacional, o poder aquisitivo dos brasileiros aumenta e o consumo se intensifica, com forte presença de produtos estrangeiros nas listas de compras do cidadão. O que comprova que o paulistano se inclinava a uma nova tendência comportamental: experimentar também um modo de vida típico dos europeus e bem diverso da rotina cosmopolita de então.
No alvorecer do Século XX, a cidade de São Paulo encontra-se em meio a uma grande efervescência em várias dimensões: política, econômica, cultural e social. No plano urbanístico, o centro da cidade entra em franca expansão, determinada pela abertura da Rua São João em 1890 e a inauguração do Viaduto do Chá em 1892.
No mesmo período começam a despontar loteamentos exclusivos para a classes sociais de maior poder aquisitivo. Eram cidadãos que estavam transferindo sua vida e moradia do frenético centro da cidade – cuja dinâmica já apresentava desafios em vários aspectos – para áreas mais tranquilas e arborizadas. Privilegiadas, pode-se dizer, quanto ao bem estar e qualidade de vida.
O bairro de Campos Elísios – loteado em 1882 e 1890 – passa a abrigar uma nova burguesia cafeeira em Higienópolis. Em 1910, a Avenida Paulista torna-se o endereço de ricos industriais. Quem visitava São Paulo naquela ocasião se impressionava com a arquitetura da metrópole. Os destaques ficavam por conta dos vistosos jardins – desenhados com muita beleza, bom gosto e muito bem cuidados – e das avenidas amplas e extensas que colaboravam para atender o volume crescente da mobilidade urbana.
Os efeitos da revolução industrial importada da Europa e Estados Unidos levaram a povoação paulistana ao status de negação do modo de vida “rural-urbano” que reinava absoluto na época da economia exclusivamente cafeeira.
A TRANSFORMAÇÃO QUE NÃO PARA.
O cenário de profundo desenvolvimento e adensamento de São Paulo ganha ainda mais força com a explosão industrial e dos grandes negócios. A Primeira Guerra Mundial e o período “pós-crise de 29” são causas daquela realidade. A partir das primeiras cinco décadas do Século XX, a cidade acelera num processo de modernização jamais imaginado naqueles tempos. Vale ressaltar que de lá para cá, o engrandecimento trouxe benefícios e problemas de toda ordem, colocando a população e seus líderes em permanente jornada de desafios gigantescos em todos os setores básicos da vida humana.
Entre os anos de 1925 e 1934, novos projetos e construções dominam uma área compreendida entre 3,5 a 7 quilômetros a partir da Praça da Sé. Mais tarde, o setor imobiliário avança e estende suas realizações para um raio acima dos 7 quilômetros iniciais, abrindo caminho para exploração de outros bairros que viriam a se fixar como prioritários da elite econômica e social.
Com tanto desenvolvimento ocupacional pautado por uma inteligência arquitetônica, obras de grande escala e infraestrutura se tornam assuntos de primeira ordem em São Paulo. Uma ação vital naqueles tempos foi desenhar a cidade em setores diferenciados e áreas funcionais bem definidas. Veja alguns exemplos:
- no velho centro, uma zona comercial ocupa quarteirões inteiros e cria “bolsões” de varejo e as ruas são alargadas no triângulo central com profundas transformações nos vales do Anhangabaú e Tamanduateí;
- na região do Tamanduateí, instala-se um comércio atacadista;
- nos bairros do Brás, Moóca e Belenzinho surge uma zona com forte industrialização;
- a pavimentação das vias publicas é intensificada;
- a luz elétrica é expandida a partir de 1922 até que, em 1930, a prefeitura consegue abolir a iluminação a gás nas vias públicas;
- o serviço de águas é muito aprimorado com a inauguração da estação do trabalho de águas no Alto da Boa Vista em 1929;
- a produção de cimento nacional é iniciada;
- os transportes urbanos são incrementados com a introdução dos ônibus em 1924 em contraposição aos bondes; o uso do automóvel se expande em 1915 e aumenta em na década de 30; o resultado é a mobilidade urbana se tornando questão crucial na capital e impactando no desenvolvimento dos bairros de forma a atender a demandas de todos, independentemente da classe socioeconômica;
- também é do conturbado ano de 1929 a inauguração do Prédio Martinelli no centro de São Paulo, símbolo da pujança paulistana;
- e por fim, ilustrando com propriedade a história do JARDINS, o estabelecimento de uma prestigiada zona residencial se estabelece, iniciando nos Campos Elísios, subindo até o bairro de Higienópolis, atingindo o destacado eixo da Av. Paulista e descia na direção do novo Jardim América. Este vai inaugurar o bloco que, junto com outros bairros, mais tarde viria a constituir a nobre e completa região do JARDINS.
Outra causa fundamental para a evolução metropolitana de São Paulo foi o desenvolvimento econômico ao longo de todo o Estado. A vida e os negócios ligado à agropecuária eram paulatinamente substituídos pela produção industrial. A capital impressionava em tudo e a modernização da vida em seus aspectos culturais também contribuía. Fosse pela consumo e adoção de produtos estrangeiros no dia a dia do paulistano bem como a reputação da cidade no cenário internacional diante da percepção de sua vanguarda em relação a muitas outras cidades brasileiras, inclusive certas capitais.
A HISTÓRIA DO JARDINS COMEÇA COM UMA GRANDE EMPRESA.
São Paulo cresce vertical e vertiginosamente. A percepção de seus espaços e formas ganha tanta relevância que se torna natural a comparação com cidades européias e mais ainda com cidades norte-americanas.
No início do Século XX, grandes áreas na cidade de São Paulo eram encontradas a baixos preços. Muitas eram tomadas por “grileiros. Sem contar as áreas que eram loteadas e arruadas seguindo o modelo de “quarteirões quadrados” e ruas cruzadas em terrenos cuja topografia não tinha condições para tal sistema.
Outros trechos eram ainda ocupados sem que os lotes apresentassem uma relação racional entre si. A metrópole é tomada por especulação imobiliária, compactação da cidade, rios transformados em esgotos canalizados a céu aberto e muito mais. Tudo acaba levando à descaracterização do espaço urbano que passar a ser defendida a ferro, fogo e “concreto” pelos agentes públicos e privados como sendo, na verdade, o inevitável fenômeno do “progresso”.
O panorama geral da ocupação espacial da cidade vai, no entanto, encontrar um divisor de águas através da atuação da City of San Paulo Improvements and Freehold Land Company Ltd., uma empresa imobiliária inglesa que, instalada em São Paulo em 1913, lançará novas diretrizes em relação à forma de ocupação urbana e especulação imobiliária. E terá participação vital na história do JARDINS.
Esses novos padrões determinarão o uso da Região Sudoeste da cidade, cuja expansão não está intrinsicamente ligada a vias férreas ou industrias, mas ao alto poder aquisitivo dos seus moradores.
A jornada da Companhia City e sua maciça participação na desenvolvimento imobiliário e urbano de São Paulo são o tema do próximo artigo sobre a história do JARDINS. Aguarde e não deixe de ler, hein?